Não se lembram de mim?!...
Brilham na noite da cidade e das aldeias luzes infindas!... Há cor!... Há vida!...Há música linda por entre muitos outros ruídos!...
Passam, pelas ruas, transeuntes apressados e carregados!... Prendas e mais prendas, muitas prendas!...
Enfeitam-se as montras despertando apetites, desejam-se as lojas de iguarias. Passam crianças buliçosas e radiantes aguçando a sua curiosidade!... Olham de soslaio os pais, no desejo de adivinhar e calar os filhos que, desde há muitos vão, sugerindo lembranças.
Passam pobres, tristes e esfomeados e vejo nas ruas da cidade aqueles, um mais jovem do que o outro: de joelhos no chão, cabeça inclinada e braços estendidos. O frio era muito e todos passavam de mãos nos bolsos, quase impedidos de as estender para deixar cair a pequena esmola da partilha, da generosidade, da comiseração ou fraternidade.
Pensei e pensei muito, continuo a pensa, sem deixar que esta imagem se apague da minha memória.
Porquê Senhor?!... Talvez as razões sejam muitas e sejam elas quais forem, não importa julgar!... Não será de ânimo leve que alguém ajoelha nas lajes frias do caminho, na desvergonha de estender as mãos!...
O Natal está próximo e talvez, em nossas casas, se reúnam as famílias a volta de mesas fartas. Talvez não venham a faltar algazarras desmedidas aquecidas pelo álcool que regou a ceia rica e variada.
Espera-se já a entrada desse senhor gordo, vestido de vermelho e barbas muito brancas que se fez crer às crianças que desceria pela chaminé!...
Sonhei, um dia, que, de mansinho, teria entrado na casa, sem fazer barulho, o Senhor Jesus que esperava que O convidassem a sentar à mesa… mas ninguém ou quase ninguém reparou Nele. Esperou pelo momento dos brindes e ao erguer as taças pensou que ao menos lhe dessem os parabéns , mas nada!... Na hora da distribuição das prendas poderia acontecer que alguma sobrasse para o aniversariante e nada!... Retirou-se de mansinho como tinha entrado e foi dizendo pelo caminho, mas todos estes acontecimentos, não são por causa de mim?!...
Como pode haver Natal, sem mim?
Tal como outrora os homens vivem correndo e não se dão conta que, ontem como hoje, eu vim para o que era meu e os meus não me receberam.
Vou continuara a esperar!...
Houve e haverá sempre pobres e estes não se esquecerão de mim e quando a pobreza ou miséria lhes baterem à porta, eles virão e talvez até ajoelhem, não para me adorarem como os pastores, mas para suplicarem piedosamente.
Não entrarei nunca pelas chaminés, mas continuarei a bater às portas… e entrarei em casa daqueles que me abrirem o seu coração… e então cearei com eles… e convidá-los-ei para as bodas que o Pai preparou para mim e para os meus amigos.
Não se lembram de mim?!...
Bouça Pires