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Origens da Paróquia de Cambres

   O primeio pároco de S. Martinho de Cambres conhecido documentalmente com o título de Reitor, chamava-se Lourenço Gonçalves e faleceu a 1 de Dezembro de 1238. Entre os seus legados referem-se casas de habitação no couto da Sé, in vico maiori. Devia ser no seu tempo que se estabeleceu uma comunidade de freiras clarissas na freguesia, ás quais uma certa Catarina Gonçalves outorgou uma doação em 1253. Foi provavelmente o primeiro convento de Santa Clara em Portugal, ainda em vida da fundadora. As religiosas instalaram-se no lugar da Mesquinhata, a medieval Maziata, dali mudaram-se, poucos anos depois, para Porto Cavalar, em Lamego, ao pé da atual capela do Espírito Santo, onde também não se aclimataram, pois vemo-las abalar definitivamente para Santarém, em 1271.

  Nessa altura, todas as Igrejas pertenciam a um senhorio secular, o padroeiro, e é através dele que muitas vezes o historiador consegue recuar na investigação das suas origens, uma vez que não ficaram documentos escritos. Ora, nas inquirições de 1258, o juiz de Lamego Rodrigo Egídio, chamado a depor provavelmente por ser oriundo de Cambres, delarou que, de facto, eram os paroquianos que apresentava o pároco desta igreja, mas desconhecia o nome da herdade onde se construiu o templo. Outra testemunha afirmou ser tradição que esse terreno fora doado pelo aio de D. Afonso Henriques, o célebre D. Egas Moniz. Foram, pois, os herdeiros deste que traspassaram o direito de pradroado aos paroquianos.

   Note-se que nos fins do século XII, já no reinado de D. Sancho I, presidia na igreja de Cambres, em nome dos moradores, uma mulher de nome Maria Gonçalves, cuja intervenção na administração eclesiástica causa certa perplexidade ao historiador pelo que significa de promoção da mulher a nivel eclesial. Quase só lhe faltava confessar e dizer missa. É através de transações por ela assinadas que sabemos do nome do presbítero Mendo Eritz que, sob o título de ministro, celebrava e administrava os sacramentos de 1170 a 1180. Sou de opinião que não usava o nome de abade, porque este pertencia tecnicamente à Maria Gonçalves, ainda que ela se contentava com usar o de Prelada. Aos menos familiares com as instituições medievais isto pode parecer uma anedota, mas não é.

  Chagamos assim aos primórdios da nacionalidade, altura em que se erigiu a igreja de Cambres no local que ainda hoje ocupa. A primitiva, porém, contava já pelo menos 600 anos de idade, fundada pela primeira comunidade cristã luso-romana no próprio castro em que a populção se acolheu como meio de defesa desde os tempos pré-históricos. Apelidos e topónimos como Eritz, Mondim, Gontino, Savarigo, etc. dos documentos da Idade Média sugerem a presença de visigodos cristãos que não deixariam de ter o seu lugar de culto não só no Castro, mas também nas diferentes vilas fundadas pelos romanos.

   Quanto á igreja paroquial, porém, o argumento incontroverso é-nos fornecido pelo chamado Paroquial suévico, também conhecido por Divisão de Teodemiro, composto por volta do ano 570 e no qual se mencionam as 6 paróquias existentes à raíz da fundação da diocese, aparecendo uma delas com o nome de Cantabriano, topónimo romanizado dum gentílico da família dos Cantabri. Apesar da dificuldade de aceitar o facto, primeiro porque tal derivação é possivel através de várias modificações, em segundo lugar, porque não existe outra terra na diocese com possibilidades de identificação com este topónimo. Temos, além disso, o lugar de Mosteirô, a acordar reminiscências de cristandade pré-nacional oragnizada, e orago de S. Martinho, possivelmente o mártir que cedeu o lugar ao de Tours por influência de S. Martinho de Dume, o grande obreiro de criação da diocese de Lamego que ele mesmo entregou ao Bispo Sardinário.

   E tanto basta para que a paróquia de Cambres, hoje sem dúvida  uma das mais dinâmicas na atualização do seu cristianismo, saiba que tem uma tradição de quase mil e quinhentos anos e tem de estar à altura da responsabilidade que um tal facto lhe impõe.

 

Gonçalves da Costa (Historiador)

In Varanda do Douro, Maio e Junho de 1977

 

 

 

 

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