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Festas em Cambres

   Esta imagem é um misto de imaginação de artista desconhecido, mas imbuída de grande misticismo que pretende dizer-nos quem é Deus para nós, em figura tão humana que não se abate morbidamente no seu próprio sofrimento, mas se compadece de quantos sofrem, senão tão intensamente, talvez mais longamente que Ele. É expressão do homem confiante que, em momentos de tanta aflição, não se contenta em procurar socorro apenas em si ou nos outros, mas se eleva para Aquele que o pode socorrer.
   Se não fora esta certeza, há muito deixaria de haver altares e na sociedade esvaziada de valores, ter-se-ia apagado o grito que se eleva da terra para os céus donde nos virá a salvação.
   Ilusão apenas ilusão, a dos que procuram a salvação por outros caminhos. Cícero, disse-nos: Percorri muitas aldeias e cidades, nem todas tinham muralhas, nem castelos, nem monumentos ou palácios, mas não encontrei nenhuma sem um altar ao seu Deus. A religião tem em si a característica da imortalidade e da universalidade.
   Constroem-se cidades e elegem-se desviantes ídolos das divindades tradicionais, mas não se vive sem eles. No fim, Ele se desvela na sua identidade de Amor para o encontro marcado, embora, tantas vezes adiado pelo homem. No cimo do infindo e no mais profundo do abismo Ele está!...
   Citando Miguel Torga: -“Procurei por todos os meios combatê-lo e evitá-lo, mas não consegui livrar-me Dele.”
   Tocam festivos os sinos e estoiram foguetes, nas diversas horas do dia, anunciando as novenas da manhã e da tarde.
   Paira no ar um ambiente de festa que vai, num crescendo cada vez mais intenso, para atingir a sua expressão máxima na “majestosa” procissão de andores floridos, anjos e figuras bíblicas. Não devia ser assim!... A Eucaristia, mistério dos mistérios, onde Deus se dá generosamente na Palavra que dá vida e na comunhão de amor, devia constituir o centro de todas as festas cristãs. Nela o homem se eleva á dimensão divina, enquanto Deus se inclina à dimensão humana. No pão e no vinho, símbolos de todo o criado, se encontra o labor do homem e a dádiva do criador. Sublime mistério!...Se o nosso amor fosse capaz de O entender?!... Ela é e tornar-se-ia para nós o centro vital da existência!... Que pena!...
   Há outros momentos que nos impressionam a todos. A frequência das novenas, tanto de manhã como à tarde, sobre o tema do ano pastoral que se anuncia ano a ano. 

   A procissão de sexta-feira sóbria na sua exterioridade (chamada de penitência) inebria-nos pelo silêncio, apenas quebrado no diálogo alternado entre o toque musical da banda e a oração do povo. A multidão de gente que nela se incorpora é cada ano maior, de todas as idades e de muitos lugares.
   Se a palavra não foi suficiente ao longo dos dias, creio que Deus falará ao coração de todos, mesmo sem recurso à inteligência, fazendo brotar neles os melhores sentimentos.
   Há musica!... Há som!... Respira-se ambiente de festa, de encontro!... Com Deus?...Sim! quando os homens se encontram e o fazem na verdade da amizade, Deus está presente.
   Há festa!... exageros?... Talvez! A festa acontece pelo quebrar da rotina, pelo romper das regras e pelo extravasar de sentimentos aprisionados ao longo do ano.
   Há festa no despoletar espontâneo de valores adormecidos, no discreto do dia-a-dia.

   A Festa é uma necessidade. O Homem é ser festivo. Vive para a Festa!... a festa é uma oportunidade!...

   A festa pode e deve ser: - Um hino de louvor; um momento gratificante e de gratidão; um momento de construção da personalidade; de edificação da comunidade; de amizade entre Deus e os homens; entre estes e os outros.
   Haja FESTA!... 

 

 

Bouça Pires

   Arcos de luz e cores engrinaldam as ruas centrais da vila. A igreja paroquial constitui o centro para onde convergem, subindo ou descendo de acordo com o lugar da própria morada. Uma feérica arcada florida de luz nos aponta o caminho. Por aí sobem ou descem os que cumprem promessas, agradecem favores ou semeiam súplicas de amor, fé e ternura. Não há sacrifício que impeça os que livre e voluntariamente, fieis à tradição recebida dos seus antepassados, se deixam levar mais pelos sentimentos do que por uma fé consciente e refletida.   

   A fé é mais abrangente que qualquer outro conhecimento que se situa apenas em experiências demonstráveis. A Fé escapa a todos os parâmetros racionais. Sem descurar estes e muito menos sem lhe opor, ultrapassa-os e penetra no impensável e no indemonstrável. Inteligível enquanto fenómeno coletivo, mergulha na profundidade do ser de cada pessoa. É identificativa a sua expressão comunitária, mas personalizada no silêncio da intimidade.   

   A imagem do Senhor da Aflição, de olhos fixos, na busca do cruzar do teu e do meu olhar, fascina-nos. Mal amarrado a uma coluna, muito fora do tradicional, parece querer desprender os seus braços no desejo de amparar, levantar, aliviar, consolar ou mesmo perdoar aos que precisam e quem não?!... E aos que querem!... Certamente nem todos!...

 

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