Um Caderno!... Uma Lousa!... Uma Sacola!...
Ainda não foi assim á tanto tempo!... A mim parece-me que foi ontem, apesar dos mais de sessenta anos!... Ontem, para os mais novos, já foi á muito tempo!...
Era uma sala, de uma casa de habitação, segundo a história e tradição, a antiga Câmara Municipal. Vila Garcia, lugar de Alhais onde esta se situa, foi sede de concelho com foral há 500 anos. Ali existe a Corredoura e se invoca, como padroeira a Senhora com esse nome. O lugar da forca, logo perto, lembra-nos a justiça que por ali se praticou tal como a cadeia e o pelourinho, único no género.
A minha escola tinha apenas janelas viradas para a fachada do nascente, os quartos de banho eram o rego da água onde se lavavam as orelhas dos que as traziam sujas e as mãos dos que as pintalgavam com a tinta dos tinteiros. O resto era feito atrás da casa do Penetra, alcunha de um pobre homem só.
Felizmente que ali fiz a primeira e segunda classes, assim se dizia na antiga Escola Primária onde se aprendia a ler, escrever e contar, para depois saber história, ciências, matemática, geografia e também desenhar e o resto viria depois.
No 3º ano, com 8 anitos mudei de escola, a primeira era mista, agora esta era só para rapazes porque as meninas (raparigas então), estavam na escola geminada com a nossa. Eramos 40, das quatro classes, imperava ali a d.palmatória escondida na gaveta, não viesse o inspector que inspeccionava mesmo e descobrisse objecto tão abjecto.
Já um dia escrevi em notícias do Paiva um artigo sobre esta minha professora que, tanto como a outra, são merecedoras do melhor apreço. Deus já as levou as ambas e por isso, o que pudesse dizer agora pouco lhes interessaria.
Não há escola perfeita, nem pedagogia exacta!... É porém, preparando para enfrentarem as dificuldades da vida que a escola se torna verdadeiramente o que é.
Hoje, há muitas pedagogias e a maioria despeja sobre os professores a quase totalidade das responsabilidades. Na escola, tudo tem de se ensinar!... Esquece-se que não faltam mestres verdadeiramente sábios e cultos, mas se os alunos não quiserem aprender?!...
Ensinar a aprender é mais importante que ensinar muitas coisas!...
A aprendizagem faz-se de muitas maneiras!... Há alunos que não o conseguem por melhor que seja a escola!... Ficamos admirados e contentes quando soubemos que eles singraram na vida por outros caminhos: a necessidade, o ambiente, algum toque de magia cujo condão não foi possível encontrar.
A escola implica que os mestres ensinem, mas também a vontade dos alunos que querem aprender!...
A família, hoje tão ausente por muitas e diversificadas razões; a política sem rumo definido; o pluralismo tão sadio, mas tão complicado para quem não tem ainda referências de discernimento são co-responsáveis. Cada um, no seu próprio lugar!... Complementares, participativos mas não desmobilizadores!... As interferências desajustadas?!...
A educação é uma obra!... Onde cada construtor tem a sua parte: engenheiros, arquitectos, pedreiros, carpinteiros, electricistas, etc. Cada um colaborando para a realização do mesmo projecto!... É uma arte que se aprende, estudando e praticando!... Mas é também uma pessoa!...
As escolas onde se investe tanto estão cada vez mais envelhecidas, mais desarrumadas, porque têm demasiadas coisas lá dentro: muitos mapas, muitos quadros, muitos bonecos parecem, tantas vezes, feiras de bugigangas!...
Gostei sempre da escola!...
Quando, no regresso a casa, mesmo antes de nela entrar, aproveitando a luz do sol, antes dele se despedir, sentava-me no chão, eu e outros como eu, tendo por encosto a parede da capela da Senhora da Graça (em Alhais de Cima) e ali fazia-mos os deveres!... Sim os deveres!...Porque se há direitos, também é importante que haja deveres!...
Há poucos dias, os sinos da Igreja repicavam, ao princípio da tarde, de uma segunda-feira e logo se apressaram, os mais velhos, a dizer: é o toque para ir ao rego. Fiquei deveras impressionado, pois a tantos anos que se vem destruindo o espirito de comunidade, acenando-lhe apenas com direitos que eu pensei cá para mim: quem quer regar tem de colaborar para que a água chegue e isso se faz com a limpeza dos regos, que é obrigação de todos.
Parece-vos de outro tempo esta sadia atitude, mas ouvimos agora que os políticos, desde a cabeça até aos membros do partido, andam para ai a dizer que a floresta é de todos, é preciso defende-la!... Que a água é de todos, é preciso poupá-la!... Que os impostos são obrigação de todos!... Quem dera que fosse, mesmo daqueles que gastam tudo para não pagarem nada!...
Volte-mos á escola onde gostaria de voltar a sentar-me, nas mesmas cadeira, com a mesma professora tão preocupada com os seus alunos, sem horário para cumprir. Trabalho infantil?!... Talvez!... Mas todos trabalhavam!...
Um caderno, uma lousa, um ponteiro na sacola!... Os livros viriam depois, uns apos os outros, mas nem tantos nem tão grandes como hoje!... Tanto peso!... Para que!... Os reis!... Os rios!... As serras, as cidades eram menos que agora!... Tudo se aprendia a cantar, ate mesmo a oração!... E fizemos teatro, mas no palco!... Ainda recordo as meninas todas feitas flores, as abelhas, passando a zumbir!... E nós os rapazes em romaria á Senhora da Lapa e não sei porquê, a minha professora pôs-me ao lado do Senhor Abade a dizer: “Ora pro nobis!...”
Gosto de livros, gosto muito de livros, talvez demasiado!... Um apos outro!... As vezes, um cada lugar depende do objectivo, do assunto e até da oportunidade…
Ainda continuo hoje a gostar da minha escola e é, por isso, que o tempo passa e eu não dou conta!... Foste tu que me disseste o mesmo?!... Não foi?!...
Bouça Pires