
Artistas de Cambres



É secular a existência de bons artistas-pedreiros, nascidos na linda e ubérrima freguesia de Cambres, onde predominam as exuberantes florescências vinícolas e agrícolas de famosas quintas- verdadeiros paraísos de produção vegetal- mormente as da Corredoura, da Pacheca, de Tourais, das Laranjeiras, dos Varais, do Carneiro, da Salada, da Azenha, de Vale Abraão- um éden formosíssimo- e de outras, cujos nomes não me ocorrem neste momento.
Rincão adorável, repleto de pitoresco, onde as raparigas-maciças construtivas- airosas e palradeiras, garridas e desenvoltas, decididas e rumorejantes, desenganadas e gargalhadeiras (…) alegram a vida em que redemoinham, cantando e moirejando, como souberam moirejar e cantar os cinzeis dos canteiros, seus avós, ao lavrarem os primores decantados que deixaram esculpidos na pedra alvinitente de S. Domingos e dos montes arrabaldinos de Penude.(…)
Foi assim que eu consegui reviver da mudez sepulcral dos arquivos da região alguns nomes de artistas de Cambres, os quais passo a enumerar, para que esses anónimos produtores dum passado artístico, uma réstia de luz ilumine a sua secular obscuridade.(…)
Nas obras quinhentistas que se realizaram na Sé de Lamego, apareceram os nomes dos canteiros de Cambres—Martim Cabral, João Bento, Manuel Rodrigues, António Mendes, Joaquim, Afonso, Domingos Henriques, Bento Pinheiro e Francisco Baptista.
No livro de contas das obras efectuadas na mesma Sé, nos anos de 1735 e 1736, encontro os nomes de António Afonso, João Ferreira e Domingos Novais, aparelhadores, ganhando 240 reis por dia.
Oficiais, com a diária de 120 reis: Custódio Francisco, Francisco Bento, João Melo, António Mendes, António Rodrigues, Henrique Almeida, José Afonso, Francisco Teixeira e Luís da Cunha.
No rol das despesas feitas com as obras do Recolhimento de Santa Tereza da Regueira, no ano de 1723, se encontram os nomes de Manuel Aparício, Joaquim Meireles, Jorge Pinto, Agostinho Simões e João Marçal, todos de Cambres.
No livro de contas que se fizeram no Convento das Chagas, em 1753, deparei com nomes de Luís Novais, Afonso Rodrigues, Agostinho Simões, Pedro Moreira, Alberto dos Santos e Narciso Nogueira, naturais de Cambres.
Nos apontamentos das despesas feitas nas obras de restauro no antigo Paço Episcopal, em 1747 aparecem os seguintes nomes de artistas de Cambres: Melchior Pinto, Bernardo Afonso, Rodrigo Pinheiro, Manuel de Matos, Bernardino Simões e Fausto Maria.
Mais deve ser o número dos antigos artistas de Cambres, (…).
Dos artistas contemporâneos cujo número é copioso e notável, manda a Justiça e a Razão destacar o exímio e saudoso Mestre José Luís Perpétua---lídima glória da sua terra (…).
A sua obra executada em Lamego, foi grande e notável, (…).
Lá estão, no alto de Santo Estevão, as aliciantes torres dos Remédios---filigranadas em brincado estilo rocaille---onde perpetuou a prova evidente do seu fulgurante savoir-faire de cinzelador, de colaboração com Mestre Francisco, de Medelo, sob a direcção de Manuel Domingues, empreiteiro da obra, segundo o projecto de Matos Cid. Isto ainda na primeira torre, porque na segunda foi ele quem dirigiu os trabalhos, tendo como colaborador o seu discípulo Alexandre Magalhães, também artista exímio de Cambres, deixando este um herdeiro do seu nome, que o tem honrado com admirável perícia ornamental, provando que filho de peixe sabe nadar, para o que basta observar a bela construção e decoração do edifício dos Bombeiros Voluntários de Lamego.
José Perpétua, além de ter sido um esmerado executor, foi também um apreciável desenhador arquitectural, como se vê dos prolíficos trabalhos que se acham distribuídos pela nossa região.(…).
Um dos seus notáveis trabalhos foi o palacete manuelino, que meu primo José Guedes Pinto projectou, o que José Perpétua construiu e cinzelou primorosamente.
É lamentável que esse lindíssimo palacete fosse, mais tarde, reduzido a uma triste expressão arquitectónica.
A bela fonte que foi transladada para o Espírito Santo é também uma obra admirável de canteiro, que ele executou com a colaboração de Alexandre Magalhães, tendo eu desenhado a parte ornamental.
Podia ainda referir-me a outros artistas contemporâneos de Cambres;(…).
João Amaral,
in Varanda do Douro, Julho de 1950